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No centro de Lisboa, junto ao Jardim Constantino, o terceiro andar do n.º 137 é o último reduto da Assembleia Distrital de Lisboa, um órgão que foi criado no século XIX, sobreviveu ao Estado Novo e está consagrado na Constituição de 1976, como um organismo «temporário» até à criação das regiões – o que nunca chegou a acontecer.
A Assembleia de Lisboa – que já chegou a chamar-se Junta da Província da Estremadura e Junta Distrital de Lisboa – tem hoje apenas três funcionários: a directora de serviços, uma administrativa que dá apoio à biblioteca e um arqueólogo que trabalha para as 17 autarquias do distrito que integram este órgão. Juntos, estes três técnicos superiores deveriam assegurar um serviço de cultura, que incluía a publicação de um boletim sobre o património do distrito. Na verdade, estão apenas a assegurar o funcionamento da biblioteca porque o orçamento não dá para mais do que os seus vencimentos. «Tivemos de cancelar a edição porque não há dinheiro», assume a directora, Ermelinda Toscano.
Costa e Seara em tribunal
O problema está no facto de as Câmaras de Lisboa e Sintra terem deixado de pagar as contribuições que a lei exige e que financiam a Assembleia Distrital. É que só estas duas autarquias (as que mais pagam) contribuem com quase 80 mil euros por ano, para um orçamento global anual de 200 mil euros. «Sintra, que devia entregar 25.439 euros, não paga desde 2011», diz Ermelinda Toscano. Lisboa deixou de pagar este ano, depois de António Costa ter avisado por carta que essa seria «uma das medidas previstas» no âmbito do «corte da despesa não essencial de funcionamento da autarquia». Para Costa, é uma entidade «desenquadrada da realidade autárquica» que não faz sentido custear.
Extinção só com revisão constitucional
«Mas a Assembleia existe porque está na Constituição», contrapõe a directora, que pôs as Câmaras de Lisboa e de Sintra em tribunal para receber o dinheiro.
O entendimento é partilhado pelo Governo. Numa carta enviada às Assembleias Distritais em 2011, os secretários de Estado da Administração Interna e da Administração Local admitem que é preciso «uma revisão constitucional» para as extinguir, mas dizem que «é inegável» que têm vindo a «perder relevância» e que deviam ser alvo «de reponderação».
Ermelinda Toscano – que, sozinha, faz «o trabalho administrativo, a contabilidade, o atendimento ao público e tudo o que é preciso» – luta há anos pela sobrevivência da instituição. «Chegámos a ter serviços de urbanismo, habitação social e saúde. E 600 funcionários». Hoje, «nem as Finanças nem o Tribunal de Contas sabem como classificar» este órgão que tem autonomia administrativa, financeira e patrimonial. «Segundo a lei, têm o mesmo estatuto de uma autarquia», nota, lembrando que ao longo dos anos os serviços foram transferidos. «O urbanismo foi para a CCDR e a saúde para a Administração Regional de Saúde». Para trás, ficou um vasto património.
‘Estamos ricos’
«Sempre ouvi dizer que éramos a Assembleia mais rica do país», afirma Ermelinda, que só por acaso descobriu um património de mais de 800 prédios urbanos e rústicos, registados nas Finanças com um valor venal de cerca de 20 milhões de euros.
«Liguei logo ao presidente – o autarca da Lourinhã, que neste mandato preside esta Assembleia – a dizer-lhe que estamos ricos», recorda, com um sorriso. A descoberta foi feita no site das Finanças, depois de ter recebido uma notificação da Estradas de Portugal para pagar uma indemnização por causa da expropriação de uns terrenos em Odivelas. «Fiquei surpreendida. Pensava que já não havia nada em nome da Assembleia desde 1991». Nessa altura, a tutela passou a ser do Governo Civil, que transferiu o património para uma comissão que o devia gerir: «Ficámos sem nada e as contas bancárias ficaram a zero».
Ermelinda e os sete funcionários que lá trabalhavam resistiram a «ir para o quadro de excedentários». E por lá foram ficando, cada vez com menos por fazer e com mais dificuldade em ter quorum para as duas reuniões anuais previstas na lei.
Depois de descobrir que quase tudo estava ainda em nome da Assembleia Distrital – e muitos registos ainda em nome da antiga Junta Distrital –, Ermelinda Toscano ficou mandatada pelos autarcas que compõem o órgão para fazer o levantamento de tudo o que têm. E é isso que a tem ocupado nos últimos meses. Um trabalho que já a levou a descobrir que a Assembleia tem dois bairros sociais na Pontinha e várias quintas em Odivelas.
Aliás, o vasto património desta entidade promete originar uma guerra de autarcas. É que o Governo já fez saber às Assembleias Distritais que as quer esvaziar, transferindo serviços e funcionários para as autarquias. E a disputa pelo património pode ser acesa. Lisboa é um bom exemplo – uma vez que, apesar de todas as 17 câmaras andarem há anos a contribuir, a grande maioria do património está em quatro concelhos: Odivelas, Loures, Amadora e Lisboa. «Como é que se decide quem é que fica com o quê?», questiona-se Ermelinda Toscano."
fonte: Sol http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=58501
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